O diretor sul-coreano Park Chan-Wook propõe uma reflexão sobre a maneira como cada ser humano satisfaz seus desejos e necessidades, utilizando como metáfora o vampirismo. Inspirado no romance Thérèse Raquin, de Émile Zola, o filme estreia no Brasil em 2 de abril.
 Psicologia nas Telas: Sede de Sangue
De um lado temos o personagem Sang-hyeon (Song Kang-ho), padre católico que sublima seus desejos carnais na forma de ações altruístas. No início do filme ele se candidata a testar uma vacina contra um vírus, consciente da possibilidade de morte. De fato, ele morre, mas revive logo após ter recebido uma transfusão de sangue de um vampiro.
A partir de então, o padre começa a perceber algumas mudanças vinculadas a este seu novo estado. Além de sentir um desejo carnal intenso e adquirir a capacidade de voar, passa a ter uma força sobre-humana. Está posto o dilema: como conciliar sua “sede de sangue” e de prazeres carnais com sua conduta ética e moralista? Ele passa, assim, a procurar meios alternativos de sobrevivência.
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O tormento do padre havia apenas começado, pois ele se apaixona por uma mulher profundamente negligenciada pela vida. Trata-se de Tae-ju (Kim Ok-bin), uma órfã que foi tratada como escrava pela mãe adotiva e seu filho, a quem prestava serviços domésticos e sexuais. Desde pequena teve de suprimir seus desejos para sobreviver àquele ambiente. Ela representa a contrapartida do padre vampiro-moralista.
Durante sua relação com ele, acaba por descobrir seu segredo e pede para que a transforme em uma vampira. Trato feito. De um lado, o padre esperava viver esse grande amor sem fazer mal a ninguém, mas a sede da órfã por vida era tamanha que sua primeira reação foi obter prazer não só com os novos poderes, mas, também, com sua nova posição. Inverteu-se assim o papel. Agora era ela quem sugava com voracidade e prazer a vida dos outros, assim como fizeram com a sua.
Este movimento de sugar a vida do outro pode ser uma analogia à condição humana, pois, desde que nascemos nos alimentamos do outro para sobreviver. Primeiro, de uma maneira concreta, o feto alimenta-se dos nutrientes do corpo da mãe; quando bebê, de seu leite. Posteriormente, de maneira menos concreta, alimentamo-nos da atenção, dos cuidados e do prazer que o outro nos dá. Dependendo do nível de angústia, “carência”, usamos o outro (e somos usados) de forma mais ou menos vampiresca.
 Psicologia nas Telas: Sede de Sangue
A questão principal abordada pelos personagens diz respeito à maneira como negociamos nossos desejos e necessidades com o mundo e a ética social e pessoal. Podemos ter vontade de matar alguém, mas nem todos matam de fato, sublimam dando soco na almofada, gritando de ódio, etc. Para que haja esta sublimação, precisamos de boa dose de saúde e de uma capacidade de reflexão e elaboração. Porém, este atributo não é comum a todos nós, pois está diretamente vinculado à maneira como fomos cuidados e à profundidade de nossos “buracos”.
Se uma pessoa é alimentada com amor, ela se torna amor. Se tratada com agressões diárias, personificará a própria agressão, que se tornará sua única possibilidade de reação. Somos aquilo que podemos, a partir do tipo de “alimento” que recebemos. Se hoje somos capazes de refletir sobre nossas ações é porque tivemos condições para isso.
 Psicologia nas Telas: Sede de Sangue
Tae-ju não teve escolha, foi escolhida. Em posse do novo poder, tratou de saciar com voracidade o enorme vazio que ocupava seu ser. Agiu como um animal, uma fera. Mas antes ela foi tratada como tal, sua humanidade não teve espaço para florescer. Deste modo, podemos entender que ela foi vampirizada e, assim, tornou-se um vampiro.
Porém, a condição vampiresca não é necessariamente sinônimo de destruição, é uma condição. Somos humanos, mas não é o fato de nascer de um ser humano que nos torna humanos, o nascimento é só o início deste longo trajeto.
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