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Quentin Tarantino desenvolve seu sexto filme tendo como cenário a II Guerra Mundial durante a ocupação nazista na França.
O coronel Hans Landa (interpretado por Christoph Waltz), é o “Caçador de Judeus”, um dos principais responsáveis pela identificação e extermínio de judeus fugitivos.
Tenente Aldo Raine, ou “Aldo, O Apache” (interpretado por Brad Pitt) lidera um grupo de soldados que cuidam de aterrorizar os nazistas, são os bastardos, do título.
Shosanna Dreyfus (interpretada por Mélanie Laurent) é uma judia que conseguiu disfarçar sua identidade como órfã, herdeira de um cinema onde trabalha.
>> Caso não queira saber maiores detalhes sobre o filme, sugiro parar a leitura por aqui. <<
Uma das principais questões desse filme, dentro da minha interpretação, gira em torno da dinâmica de personalidade que envolve os personagens principais. Embora de lados aparentemente opostos, são impulsionados pelas mesmas características: comprometimento na capacidade de envolvimento, dificuldade na internalização de normas e regras sociais, ausência do sentimento de culpa e remorso, configurando uma personalidade extremamente narcisista. Este conjunto de sintomas define uma personalidade cindida que atua dentro da esfera da psicopatia.
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O coronel Landa é um nazista bastante obsessivo pela aparência, limpeza, postura. Mostra-se muito detalhista e perspicaz. Alimenta um prazer imenso por situações onde sente que está no controle, saboreando cada momento que pode manipular com facilidade. Tortura física ou psicologicamente uma pessoa com a mesma expressão, fumando um cachimbo enquanto ouve com orgulho o som da própria voz, define a quantidade e forma do sofrimento que irá infringir e sente o prazer de ser “Deus”. Tanta limpeza pode ser medo da própria sujeira. Tanta organização, uma resposta ao medo que sente de sua personalidade cindida, inconsistente e caótica. Tanto sadismo, prazer pelo poder e controle podem reflectir sua baixa autoestima, sua pequenez, sua impotência.
 Psicologia nas Telas: Bastardos Inglórios
Shosanna sofreu o trauma de presenciar o extermínio de sua família pelas mãos nazistas do coronel Landa. A impotência diante deste horror e a impossibilidade de reação fizeram dela uma mulher absolutamente determinada e extremada, capaz de matar ou morrer para se sentir potente novamente. Parte de sua saúde mental morreu junto à família. Ela sentia necessidade de remontar a mesma cena como algo vital, mas sob outro ângulo, ela como detentora do controle absoluto e os nazistas impotentes assim como ela antes se sentiu.
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Aldo Raine, o líder dos bastardos, vangloria-se de sua invulnerabilidade, frieza, indiferença, capacidade de atos monstruosos. Tudo isso, claro, saboreando um sanduíche ou cheirando tabaco. De sua maneira ele é outro pseudo “Deus”, define de acordo com seus parâmetros quem vive ou morre e em quais circunstâncias. Ele justifica: “seremos cruéis com os nazistas, assim eles saberão quem somos”.
Todos estes personagens estão presos a sentimentos terríveis de impotência que os impelem a renovar diariamete a sensação concreta de poder. Como pensam ser essa a fonte de sua cura, a vingança, entregam-se a um ciclo vicioso onde não importa a farda que estão usando, mas a motivação sádica por trás do ato.
Existem policiais e soldados que tem como função a proteção da sociedade, mas são impulsionados pelas mesmas motivações de bandidos e terroristas. Por acaso, ou devido a pequenas diferenças, estão do “outro lado” aparentemente. Quem está disposto a se colocar na “linha de tiro”, a correr o risco de matar e morrer pode não ter muito a perder. Um ser humano que sofre um trauma, uma ruptura, dependendo da fase de vida e da intensidade permanece lutando com as armas que tem para ser alguém, alguém real, pois ainda não teve condições de integrar os aspectos ambíguos de sua personalidade. Quem atua somente em um extremo não está integrado.
O diretor e roteirista Quentin Tarantino é o “Deus” de sua criação, fato que lhe concede a permissão de finalizar a II Guerra como bem entender. Embora impotente diante do fato histórico, mostra-se onipotente em sua arte, uma bela maneira de lidar com emoções conflituosas. Tarantino pôde transformar a violência exacerbada que o assola em forma de cultura, dividindo com as pessoas aspectos conflituosos de sua própria personalidade. Expressando sua agressividade por meio da escrita, dirigindo seus filmes, trabalhando seus personagens, faz um belo exercício de integração de seus personagens internos dissociados. Desta maneira sua agressividade passa por um processo sublimatório, e manifesta-se nas telas. Estes “personagens” precisam ter voz no cinema ou na vida. É melhor que seja no cinema.
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por Fernanda Davidoff