Com uma máquina de escrever e muito tempo pela frente, Benjamìn busca em seu passado a inspiração para o início de um romance .
Inicia essa jornada relembrando seu trabalho como defensor público. Vem à sua mente a investigação frustrada de um crime bárbaro que permanece há 25 anos sem solução.
O romance é voltado a reconstituição do caso, detalhe por detalhe. Benjamín planeja uma série de visitas a pessoas envolvidas no crime, promovendo a uma verdadeira incursão em busca de um desfecho para o caso, bem como, mesmo sem perceber, para sua vida.
Enquanto Benjamín segue as pistas que levariam ao assassino, sua subjetividade o conduzia para a resposta que tanto busca, o segredo que estaria oculto nesse romance em andamento, a busca pelo assassino impune real e aquele invisível, que precisa combater para libertar-se. A intersecção entre essas duas histórias se dá pelas “paixões” da alma que envolve cada personagem, dentro de seus diferentes contextos e tempos.
Uma inquietação persistia até os dias atuais, a lembrança da expressão nos olhos do marido da vítima que, segundo ele, revelavam um “amor puro” pela mulher. Pelos olhos do outro, Benjamín tem uma pista do que está, de fato, buscando. Afinal, por que ele ainda lembra com tanta vivacidade daquele olhar?
“Existem muitas coisas que as pessoas podem mudar. Eu, por exemplo, sou apaixonado por ficar bêbado e brigar com quem me incomoda. Não se pode mudar de paixão”.Pablo Sandoval (Guillermo Francella)
Existem alguns tipos de memórias. Algumas que, quando lembradas, nos fornecem a sensação de “missão cumprida”, por mais sofridas que possam ter sido. Outras podem permanecer semiabertas, revelando certo incômodo e uma sensação de que poderíamos ter feito melhor.
Esta é uma memória que faz parte do passado e do presente, ocupando espaço e exigindo um desfecho. Diante disso, nos deparams com a possibilidade de olhar para a frente sempre, com a crença na filosofia bem atual de que “é pra frente que se anda”, muitas vezes associada a um encadeamento de ações frenéticas, sem prévia reflexão. Esta postura de vida reflete um homem imaturo, despreparado para lidar com questões doloridas e, portanto, superficial. Este homem pode perder-se em sua história pouco a pouco e, no fim, restará quase nada do que podemos chamar de sua “pureza”, suas verdadeiras paixões.
Quando nos deparamos com o sofrimento, podemos seguir ignorando-o, olhando para atrativos, buscando distração eterna no mundo dos desejos ou parar, olhar com coragem para a pior lembrança, revivê-la emocionalmente e ressignificá-la. Só assim as amarras sentimentais afrouxarão, pois o que antes estava sem desfecho, agora poderá ser incorporado ao presente. Nesse exercício, abrimos um caminho para nosso próprio resgate, podendo retomar tantas paixões paralisadas em nossa memória e que nos assombram.
Ao encararmos nossas assombrações, ao seguirmos as pistas deixadas por nós mesmos, encontraremos um pouco de nossa “pureza” e de algumas paixões que, por diversos motivos, passaram a repousar no esquecimento.
Benjamín seguiu as pistas e um mundo novo, cruel e perverso foi revelado. Assim teve acesso a sua verdade e libertou-se. Pode parecer contraditório, mas quanto mais nos familiarizarmos com a nossa crueldade e com a alheia mais nos aproximaremos de nossa pureza. por Fernanda Davidoff




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