Guerra ao Terror abre com uma citação do livro War is a Force that Gives Us Meaning de Chris Hedges, ex-correspondente de guerra do jornal The New York Times, que diz numa tradução livre “O calor da batalha é um vício frequente e letal, pois a guerra é uma droga”.
O filme ganhador de seis Oscar, entre eles o de melhor filme, conta a história de três soldados americanos especialistas no desarmamento de bombas plantadas por insurgentes em meio à guerra do Iraque. O protagonista, William James (Jeremy Renner), é enviado para substituir o ex-comandante da equipe de desarmamento, faltando apenas 38 dias para sua baixa. Ele é apaixonado por bombas e seus componentes ao ponto de guardá-los carinhosamente junto às fotos de sua família. Outro elemento que o impulsiona é a busca pela adrenalina diante da possibilidade de morte iminente. A morte e o horror de seu mundo interno devem ser tão grandes que a guerra nada mais é do que uma representação disso.Em maior ou menor intensidade, essa busca pela adrenalina “mortal” pode manifestar-se de muitas maneiras, por exemplo: uma pessoa que sai com o próprio carro após consumir bebida alcoólica ou drogas; motoristas que abusam da velocidade; prática de sexo sem proteção, uso de drogas pesadas e assim por diante.
O uso de drogas está ligado à busca de alívio. Uma pessoa que é tomada pela angústia, ansiedade, sensação de vazio, pode fazer uso de drogas buscando uma “folga” de si, como a busca desenfreada por adrenalina.
O furo desta proposta reside no fato de que este alimento é falso, oco e fornece apenas a sensação de completude momentânea. Porém, após o efeito, nada muda. Dá-lhe mais drogas para cobrir o buraco insuportável. Este vazio, entretanto, tende a ficar cada vez maior. A função dos medicamentos psiquiátricos também é parecida, pois eles agem como paliativos, daí a importância de serem combinados com um tratamento que tenha a proposta de trabalhar o que há além deste pedido de socorro.Certa vez ouvi o relato de um garoto que estava privado de liberdade por ter cometido algumas infrações: “Senhora, o melhor momento do roubo de carros é quando há perseguição policial, a adrenalina é ainda maior”. Assim como no caso de James e nos exemplos citados anteriormente, não se trata da busca pela morte, mas pela sensação de sentir-se vivo.
O que está por trás dessa busca? A depressão, a falta de crença na vida, nas pessoas, na própria capacidade transformadora. O mundo para algumas pessoas é sentido como hostil, devorador e lhes foi apresentado desta maneira. Faz-se necessária a busca por proteção contra essa intrusão, seja por meio da introspecção, do autismo (em todos os níveis), de rituais obsessivos, em que a pessoa transfere para os objetos a tentativa de organização do caos interno (também falsa) ou até uma completa cisão, como no caso da esquizofrenia.
Quando somos traumatizados, uma das defesas está no afastamento de situações similares. Por exemplo, após um acidente grave de moto, algumas pessoas podem não só criar aversão ao objeto relacionado como ao som e todo tipo de sensação que envolveu o momento de ruptura emocional.
Traumas mais enraizados, aqueles que ocorrem em idades precoces e pertencem à “fundação da personalidade”, podem se dar por uma ausência prolongada da mãe em relação ao seu bebê, ainda sem uma psique formada para tolerar ou compreender a ausência, ou quando este bebê ou criança é repetidamente invadido, agredido. Como proteção, esta pessoa passa a entender que tudo que vem dos outros é ruim e extremamente perigoso e esta sensação pode perdurar por toda a vida. Perde-se algo fundamental: a crença, a esperança e o gosto por viver.
James certamente teria sofrido essa ruptura, por isso não consegue identificar o motivo de sua angústia. Houve uma cisão (uma separação). Para que sobrevivesse, em determinado momento de sua vida, criou uma fenda em seu “eu”, tornando as emoções relacionadas ao trauma inacessíveis. Ali reside a doença e sua possibilidade de cura. Sem condições para acessar este “compartimento”, vive tapando buracos inutilmente.
Sem acreditar no investimento em outro ser humano, nas relações e suas possibilidades de enriquecimento, James criou um mundo paralelo onde a guerra ocupa um espaço antes vazio. Pelo menos agora ele pode sentir que controla algo, embora tenha perdido o controle sobre o sentido de sua vida. Sabe como desarmar uma bomba, mas não consegue acessar a bomba que foi armada para si. Fica atento às variáveis, supera-se por meio de números e não mais pelo inominável que o assombra.
Talvez todo esse cenário seja menos aterrorizante do que uma vida na qual não via sentido. Dentro desta guerra existem indivíduos já mortos muito antes de seu início.
“Todos os homens buscam a felicidade. E não há exceção. Independentemente dos diversos meios que empregam, o fim é o mesmo. O que leva um homem a lançar-se à guerra e outros a evitá-la é o mesmo desejo, embora revestido de visões diferentes. O desejo só dá o último passo com este fim. É isto que motiva as ações de todos os homens, mesmo dos que tiram a própria vida.”
Blaise Pascal





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