Klimt

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Meia Noite em Paris

Midnight in Paris , 2011
Direção e Roteiro: Woody Allen
Elenco: Owen Wilson, Marion Cotillard, Rachel McAdams, Carla Bruni-Sarkozy, Michael Sheen, Nina Arianda, Alison Pill, Tom Hiddleston, Kathy Bates, Corey Stoll, Kurt Fuller, Mimi Kenned
 Gil (Owen Wilson) é um homem em busca de algo. Ele não sabe o quê, quando e onde, mas sabe que não pode desistir.
Seu destino começa a mudar em Paris durante uma viajam com sua noiva Innez (Rachel Mcadams) e sogros.



Innez e seus pais formam uma família conservadora e preconceituosa. Durante a viagem o contraste entre eles e Gil fica cada vez mais evidente e insuportável. 
Caso não tenha assistido ao filme, pare por aqui
Enquanto Gil tenta encontrar inspiração para mudar os rumos do roteiro que está escrevendo e o de sua vida "real", Inez reencontra um amigo professor por quem é fascinada.
Durante o tour por Paris,  o amigo de Innez, vivido por Michael Sheen, intelectualiza cada momento, não interagindo com as obras. Está mais interessado em ser apreciado do que apreciar, deixar-se envolver. Gil vive a obra, Paris e toda sua história.
Ele encontra consolo e compreensão no existencialismo, na luz melancólica dos becos, nos rostos pintados das dançarinas de Can Can, na excentricidade de pensadores. Ali ele não é diferente, se reconhece.

Tal como na história do patinho que foi rejeitado por seus irmãos e mãe. Ele então partiu em busca de "algo"que fizesse sentido, já que a própria mãe o rejeitara. Decobriu, depois de muito sofrimento que, na verdade, era um cisne. Por isso era tão estranho. Ou melhor, estranho entre os patos, tal como Gil na família de Innez.
Ele não está errado, nem eles. Todo aquele que tiver posse de si deve sair em busca de sua turma, para não ser um estranho em outro ninho e tentar se adaptar para ser aceito, pertencer.
Aquele que não tiver posse de si, deve primeiramente se conhecer, encontrar  seu próprio país interno. Apossar-se de sí.
Afinal, só somos diferentes enquanto não encontramos nossa “Paris”, nosso lugar interno e externo. Para isso, precisaríamos ter coragem de caminhar pela fronteira e aceitar uma carona para o que há depois da meia noite

Frases:
“A função do artista não é sucumbir ao desespero, mas encontrar um antídoto”
“Quando você faz amor com ela (sua mulher) sente que, naquele momento, a morte não importa?”
“Você é meio modesto, seja homem, diga que você é o melhor escritor”

 


quinta-feira, 7 de julho de 2011

O Segredo dos seus Olhos

O ex-defensor público Benjamín Esposito (Ricardo Darín), recém-aposentado e angustiado frente à nova fase de sua vida, começa a pensar em uma maneira de preencher seus dias que, acredita, seriam “cheios de nada”.
00 el secreto de sus ojos 2 Psicologia nas telas: O segredo dos seus olhos
Com uma máquina de escrever e muito tempo pela frente, Benjamìn busca em seu passado a inspiração para o início de um romance .
Inicia essa jornada relembrando seu trabalho como defensor público. Vem à sua mente a investigação frustrada de um crime bárbaro que  permanece há 25 anos sem solução.

O romance é voltado a reconstituição do caso, detalhe por detalhe. Benjamín  planeja uma série de visitas a pessoas envolvidas no crime, promovendo a uma verdadeira incursão em busca de um desfecho para o caso, bem como, mesmo sem perceber, para sua vida.
00 1 Psicologia nas telas: O segredo dos seus olhos
Enquanto Benjamín segue as pistas que levariam ao assassino, sua subjetividade o conduzia para a resposta que tanto busca, o segredo que estaria oculto nesse romance em andamento, a busca pelo assassino impune real e aquele invisível, que precisa combater para libertar-se. A intersecção entre essas duas histórias se dá pelas “paixões” da alma que envolve cada personagem, dentro de seus diferentes contextos e tempos. 
Uma inquietação persistia até os dias atuais, a lembrança da expressão nos olhos do marido da vítima que, segundo ele, revelavam um “amor puro” pela mulher. Pelos olhos do outro, Benjamín tem uma pista do que está, de fato, buscando. Afinal, por que ele ainda lembra com tanta vivacidade daquele olhar?
00 ElSecretoDeSusOjos2 Psicologia nas telas: O segredo dos seus olhos 
 “Existem muitas coisas que as pessoas podem mudar.
Eu, por exemplo, sou apaixonado por ficar bêbado e brigar com quem me incomoda. Não se pode mudar de paixão”.Pablo Sandoval (Guillermo Francella)
Existem alguns tipos de memórias. Algumas que, quando lembradas, nos fornecem a sensação de “missão cumprida”, por mais sofridas que possam ter sido. Outras podem permanecer semiabertas, revelando certo incômodo e uma sensação de que poderíamos ter feito melhor.
Esta é uma memória que faz parte do passado e do presente, ocupando espaço e exigindo um desfecho. Diante disso, nos deparams com a possibilidade de olhar para a frente sempre, com a crença na filosofia bem atual de que “é pra frente que se anda”, muitas vezes associada a um encadeamento de ações frenéticas, sem prévia reflexão. Esta postura de vida reflete um homem imaturo, despreparado para lidar com questões doloridas e, portanto, superficial. Este homem pode perder-se em sua história pouco a pouco e, no fim, restará quase nada do que podemos chamar de sua “pureza”, suas verdadeiras paixões.
00 7513889.o segredo de seus olhos cultura 300 420 Psicologia nas telas: O segredo dos seus olhos
Quando nos deparamos com o sofrimento, podemos seguir ignorando-o, olhando para atrativos, buscando distração eterna no mundo dos desejos ou parar, olhar com coragem para a pior lembrança, revivê-la emocionalmente e ressignificá-la. Só assim as amarras sentimentais afrouxarão, pois o que antes estava sem desfecho, agora poderá ser incorporado ao presente. Nesse exercício, abrimos um caminho para nosso próprio resgate, podendo retomar tantas paixões paralisadas em nossa memória e que nos assombram.
Ao encararmos nossas assombrações, ao seguirmos as pistas deixadas por nós mesmos, encontraremos um pouco de nossa “pureza” e de algumas paixões que, por diversos motivos, passaram a repousar no esquecimento.
Benjamín seguiu as pistas e um mundo novo, cruel e perverso foi revelado. Assim teve acesso a sua verdade e libertou-se. Pode parecer contraditório, mas quanto mais nos familiarizarmos com a nossa crueldade e com a alheia mais nos aproximaremos de nossa pureza.  


por Fernanda Davidoff

Sim Senhor!

Sim senhor é um filme que narra a história de Carl Allen, interpretado por Jim Carrey.
Carl é um homem recém-separado que passa por um período de depressão, (natural pós-término) e se fecha para o mundo, com a esperança de proteger-se dos perigos e dos ferimentos que a vida pode causar. 
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Para defender-se e proteger-se das pessoas, ele inicia uma filosofia do “NÃO”. Trabalha em um banco e raramente aprova um empréstimo, nega convites, parece que uma parte sua está em coma.
O tempo passa e Carl é levado a uma palestra que prega a filosofia do “SIM”. O palestrante Terrence Bundley, interpretado por Terence Stamp, lembra muito alguns pastores persistentes e contagiantes que vão ao encontro de pessoas com falta de energia, que estão sofrendo, sentindo angústias. Em vez de propor um mundo além deste, melhor e que compensará o sofrimento, ele propõe uma nova atitude neste mesmo mundo: dizer SIM a tudo.
00 yes man 20080819041735144 6 Psicologia nas Telas: Sim senhor!
Carl inicia sua jornada até encontrar o equilíbrio entre o sim e o não, entre o que realmente quer que entre em sua vida, de que maneira e, se for preciso dizer não, dirá, mas está mais disposto a correr o risco. O risco reside em encontrar um amor que pode machucá-lo como o anterior, mas ele poderá usufruir novamente do azedinho doce da vida (essa é pra quem passou pelos anos 80) e que faz “a vida valer a pena”.
Como no filme Asas do Desejo, do diretor Wim Wenders, o anjo deve decidir se quer ser mortal, viver os prazeres da vida, mas, em contrapartida, enfrentar as doenças do corpo e da alma ou não viver nem uma nem outra e ter a “vida” eterna (ou seria morte eterna?). O dilema é o mesmo: entrar na vida, deixar-se conhecer, experimentar novidades, testar os próprios limites ou permanecer em uma zona de conforto onde não há riscos, nem muito ganho nem muita perda?
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Quando dizemos sim podemos querer dizer muitas coisas. Não dizemos tudo que queremos, pagamos um preço alto por dizer coisas em determinadas circunstâncias ou expressar nossos sentimentos. O mais difícil dessa tarefa é separar o que gostamos do que não gostamos, o que é nosso, o que é uma repetição de padrões familiares e, dentro disso, o que queremos para nossa vida e o que queremos transformar, modificar.
Precisamos conhecer nossos reais prazeres, nossos reais limites para poder verbalizá-los e vivenciá-los com verdade. A cruel e doce verdade da vida.
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por Fernanda Davidoff

A Estrada

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“Fez-se um clarão, o relógio parou, tudo parou… Houve canibalismo, esse que era o nosso grande medo”.
A Terra sofre um colapso ao ser atingida por um evento cataclísmico. Milhares de pessoas morrem afogadas, incendiadas e famintas. O caos, o terror e a fome selecionam os sobreviventes, aqueles que tiveram maior capacidade de adaptação a uma realidade animalesca, crua, sangrenta. Esse é o cenário do filme A Estrada, baseado no livro The Road, best seller de Cormac McCarthy.
Os sobreviventes desfazem-se de seus aspectos humanos pouco a pouco, até regredirem para um estágio muito anterior ao que nos encontramos hoje. O drama de cada uma daquelas pessoas é representado na luta de uma família pela sobrevivência. Fazendo um exercício projetivo, se nos colocássemos naquele cenário totalmente cinzento e escuro, se tropeçássemos em pedaços de nossa civilização, se convivêssemos com “restos” de pessoas civilizadas e tivéssemos de lidar com a necessidade de transcender nosso limite físico e psíquico para sobreviver, o que restaria de nós? Até onde nossa ética e tudo o que conhecemos a nosso respeito resistiria?
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Caminhando para o litoral em busca de comida e abrigo, pai e filho vivem este drama. Passam a sofrer alterações de caráter e, diante desse novo contexto, reavaliam suas necessidades e seus atos. O senso de responsabilidade, culpa e remorso é readequado. O estado de vigília constante é ativado. Os instintos de sobrevivência tomam o lugar do refinamento e da ética, porém, uma realidade interna permanece muito sólida, norteadora, e não havia morrido para pai e filho. Trata-se do sentimento de amor que nutrem um pelo outro, que os impulsiona e justifica a luta por continuarem vivos.
Após presenciar uma forte mudança em seu comportamento anterior, o filho (Kodi Smit-McPhee) pergunta a seu pai (Viggo Mortensen): “Ainda somos os homens bons? Como saberemos se não formos mais?” revelando seu conflito em relação à mudança de identidade e parâmetro. Continua: “Como saberemos reconhecer um homem bom?”. O pai responde: “Somos bons e reconhecemos o homem bom pela capacidade que tem em manter aceso seu fogo interior”, referindo-se à capacidade de envolvimento, à capacidade de amar.
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Façamos outro pequeno exercício de reflexão transpondo a realidade do filme à nossa. O que somos hoje, o que entendemos por homem moderno, é resultado de séculos de experiência cultural, religiosa, política e afetiva. Você sente que falta algo de humano ao morador de rua, com suas unhas compridas, pele engrossada pela sujeira, cheiro ruim e falta quase total de capacidade para convivência em sociedade? E naquele assassino que pratica “monstruosidades”? Ou na mãe que rejeita seu filho?
Imagine-se assistindo a um filme com o resumo da vida de uma pessoa nessas condições. Poderíamos não concordar com seus atos, mas compreenderíamos. A partir do momento em que nos colocamos no lugar do outro, ainda que por um breve instante, aquele “monstro” deixa de ser tão esquisito e passa a ser familiar, humano. Assim como nos filmes, somos levados a compreender situações difíceis de serem compreendidas sem uma reflexão.
A mãe pode rejeitar sua criança por não ter tido aceitação de si própria, aos olhos de alguém. Como dar aquilo que não teve? O assassino pode ter sido assassinado há muito tempo. O mendigo pode ter vivido sempre a sensação de abandono interno.
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Em A Estrada, o amor os mantém vivos, apenas isso. Como nos mostra o filme, o amor pode manter nosso vínculo com a vida, ainda que em um cenário terrível. Este mesmo sentimento pode ser vivido em forma de uma mágoa profunda, dependendo de como é experimentado. O vínculo com a vida sofre sérios riscos quando sofremos a falta do amor em sua plenitude (paterno, materno, afetivo em geral). Pessoas que nunca foram legitimadas com qualidade em sua existência podem enlouquecer, perder a vontade de viver, desligar-se de tudo que havia adquirido até então.
Tudo que construímos eticamente, socialmente, pode ganhar colorido e sentido quando temos um sentimento verdadeiro que justifica nossa existência. A cor cinza e a atmosfera depressiva e amedrontadora do filme não são mais assustadoras do que a ausência, a falta, a solidão existencial, intocada, quando ocorre um “cataclismo” que devasta o mundo interior e o torna empobrecido, faminto, sem cor.
A relação verdadeira nos salva da pior das ausências, a do nosso próprio “fogo interior”, acendido pelo outro e vivo, quente, brilhante, mesmo em meio ao cenário mais gelado e cinzento. As relações nos salvam e, quando nocivas, podem nos remeter ao caos interno, que nem a mais evoluída, colorida e organizada das sociedades seria capaz de resgatar.


por Fernanda Davidoff

Invictus

Durante 42 anos, uma minoria branca da África do Sul humilhou e segregou a grande maioria da população negra. Escolas, hospitais, supermercados e demais áreas de convívio social foram obrigados a separar espaços maiores e de mais qualidade para brancos. Sexo inter-racial tornou-se um ato criminoso previsto em Lei. Negro não era considerado cidadão, gente.
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A realidade da África estava muito distante do restante do mundo, que caminhava em direção à desmistificação do racismo. Algumas pessoas sucumbiram, submeteram-se e sobreviveram ao Apartheid (“separação” em africânder). Outras tantas lutaram e morreram para resgatar sua cidadania e dignidade. Uma pessoa, porém, ocupou lugar de destaque nessa luta, o advogado e ex-presidente da África do Sul, Nelson Mandela, principal representante do movimento anti-Apartheid. Foi condenado a mais de 20 anos de prisão por ter sido considerado um líder rebelde. Recusou a proposta de abandonar a luta armada em troca de sua liberdade.
Liberdade
Enquanto Mandela estabelecia uma batalha entre a vida e a morte, entre a esperança e a entrega, outros continuaram a batalha do lado de fora da prisão. Em 1990, a luta contra o Apartheid teve êxito. Nelson Mandela foi libertado e eleito presidente pelo voto de 23 milhões de pessoas.
Seu mandato foi marcado pela profunda compreensão da democracia. Repudiava o que chamava de “vingança mesquinha”, em que os brancos seriam então excluídos e sentiriam na pele a dor da segregação: “nós somos tudo aquilo que eles temiam que nós fôssemos, temos de surpreendê-los com compaixão, moderação e generosidade”.
Democracia
00 invictus Psicologia nas Telas: InvictusO filme dirigido por Clint Eastwood foca em um momento da vida de Mandela (Morgan Freeman), entre sua chegada à presidência sul-africana e a realização da Copa do Mundo de Rúgbi de 1995, na África do Sul. Retrata a relação de Mandela com o time sul-africano de rúgbi, Springboks, que além de ter acabado de sofrer subsequentes derrotas na etapa classificatória da Copa, era representante do Apartheid, alvo de ódio por grande parte da população. Sendo assim, a União Executiva Nacional dos Esportes estava prestes a substituí-lo, trocar a cor de sua bandeira e mudar seu emblema.
Contra qualquer tipo de segregação, Mandela inicia uma batalha na defesa de uma compreensão mais profunda da democracia, a de que brancos e negros, pessoas racistas ou não, jogadores que representavam simbolicamente os interesses da África do Sul e aqueles que simbolizavam o Apartheid, todos, sem exceção, deveriam ter os mesmos direitos perante a democracia.
A primeira medida de Mandela foi tentar expor sua compreensão de democracia para uma população que queria “vingança”. Logo depois, procurou identificar a real dificuldade em que o time se encontrava, e esta não era uma dificuldade técnica, mas íntima. Em conversa com sua assessora, diz: “Como eu faço para eles acreditarem que são melhores do que são? Como inspirá-los na grandeza quando tudo parece estar perdido?”
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Esperança
Para identificar o problema do outro ele tomou como base o próprio sofrimento. Em determinado momento de sua vida, quando estava cansado e sem esperança, encontrou um poema na biblioteca da prisão, o qual serviu como um elo entre um eu despedaçado, que não tinha lugar nesse mundo, e outro que abrigava esperança. Quando nos sentimos compreendidos, seja por uma poesia, uma música, um olhar, tudo muda e a vida pode retomar, então, o sentido perdido. Sozinho em sua luta íntima, o poema Invictus foi um grande aliado.
Para incentivar François Pienaar (Matt Damon), capitão do time de rúgbi, Mandela usa a poesia “… nas garras do destino e seus estragos…”. Refere-se aqui ao destino que nos é imposto. A África racista, que causou muito sofrimento e estrago, não sofreu menos do que o time de rúgbi, agora segregado pelos negros.
“Eu sou dono e senhor de meu destino. Eu sou o comandante de minha alma.” François havia perdido o controle sobre sua esperança, sua capacidade, entregando-se ao desespero e à incerteza, assim como Mandela, em determinado momento de sua vida. O único controle restante, e mais importante, seria sobre si mesmo.
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Escolhas
Uma grande parte do cenário de nossas vidas é feita de uma realidade que não escolhemos. A única parcela deste mundo que podemos ter controle é sobre o que vamos fazer com o que o “destino” nos oferece.
Diante de nosso “destino”, ou de situações impostas, podemos adotar uma infinidade de atitudes. Podemos aceitar, calar, consentir de diversas formas ou agir, dar até a última gota de nosso tempo e esforço em nome de algo que consideramos fundamental para que a vida tenha sentido.
Conectar-se ao mundo é um dos caminhos para que possamos encontrar o sentido de nossa existência, já que não somos destacados de nosso tempo. Nós comandamos ou soltamos o “corpo” e deixamos “a vida nos levar”? Somos os autores de nossa realidade ou deixamos que muitos decidam por nós?
Antes de definir nossas ações no mundo, nosso papel político, social, afetivo, devemos estar aptos a responder à seguinte questão: “O que, verdadeiramente, nos conecta à vida?”

Onde Vivem os Monstros

Onde Vivem os Monstros (Where The Wild Things Are, no título original) é um filme de 2009, dirigido por Spike Jonze e adaptado do livro infantil de mesmo nome escrito e ilustrado em 1963 por Maurice Sendak.


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“Havia alguns edifícios muito altos que podiam andar. O mais alto deles é mordido por um vampiro que perde os dentes após o ataque e chora. Outros vampiros perguntam o motivo do choro e ele explica que perdeu seus dentes, e não eram de leite. Então os vampiros o deixam, porque não poderia ser mais um vampiro”. (História contada por Max , um criativo garoto de 9 anos e também o protagonista do filme)
Os dentes, neste caso, representam nossa capacidade agressiva, recurso essencial para a sobrevivência. O ato de comer, ler, digerir um texto, ir em busca, posicionar-se, dirigir, romper… são manifestações agressivas positivas. Dentro desta mesma esfera temos os atos antissociais, reações agressivas que ocorrem após uma falha ambiental e funcionam como uma espécie de protesto, reivindicação de cuidados adequados.
No outro extremo encontramos a agressividade associada à violência, destruição. Essa violência caótica e desordenada revela falha no cuidado dos primeiros sinais de agressividade “normal”, permanecendo assim sem forma e nem limite.
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No decorrer de nossas vidas somos apresentados à agressividade de diferentes maneiras, alguns pais ou pessoas significativas têm como tarefa a apresentação gradual do mundo externo e devem auxiliar a criança na descoberta de seu vasto mundo interno, ajudando-a no processo de adaptação sem que aspectos fundamentais de seu ser sejam corrompidos. Há pais, porém, que não toleram a agressividade dos filhos, ainda que esta venha comunicar algo de vital importância, e acabam por imobilizá-los.
Na pior das possibilidades, como no caso do vampiro que perdeu os dentes, a repressão exagerada em relação a atitudes agressivas pode causar inibição, introspecção, postura passiva diante das próprias necessidades e, portanto, diante da vida. A criança acaba se adaptando ao mundo em vez de sentir-se atuante, capaz de alterar criativamente a realidade. A crença, a partir de então, gira em torno de que o mundo, assim como as pessoas mais importantes de sua vida, não tolerará seu “eu” por inteiro, sendo necessária a construção de um “eu adaptado”.
>> Caso não queira saber maiores detalhes sobre o filme, sugiro parar a leitura por aqui. <<
00 where the wild things are 01 Psicologia nas Telas: Onde Vivem os Monstros
Max é filho de uma mãe ausente e ocupada (Catherine Keener), uma criança solitária em seu mundo, atormentada por todo tipo de sensações que não são nomeadas e nem significadas. Utiliza-se, então, dos recursos disponíveis para atrair o olhar da mãe. No início do filme conta a história do vampiro banguela, uma metáfora do seu mundo interno, tolhido e repreendido.
Infelizmente, a história do vampiro não mobilizou sua mãe e Max teve de ser mais claro, subindo em cima da mesa de jantar, gritando “alimente-me, mulher”. Refere-se aí à sua profunda anemia, carência, desnutrição emocional. A mãe fica assustada e brava, não compreendendo, mais uma vez, a expressão de solidão e desespero de Max, exigindo suas desculpas.
Ainda mais desesperado, pois além de não ter tido sua raiva contida e legitimada com amor, foi novamente tolhido e incompreendido, Max morde a mãe, “rouba o alimento” negado que lhe é de direito. Uma das maiores características da loucura é a solidão, porém, Max ainda tinha um recurso.
De castigo em seu quarto, sozinho com suas angústias e tendo a enorme incumbência de lidar com sua raiva e desespero, recorre à brincadeira. O brincar configura-se como um espaço de transição, uma terceira esfera que é tanto subjetiva (pelo teor da brincadeira) quanto objetiva, concreta e está diretamente vinculada à saúde, pois se torna uma ferramenta fundamental que permite expressões, “digestão psíquica” e exercício da capacidade criativa entre tantos outros benefícios. Na brincadeira que inventa, Max refugia-se em um mundo onde é o rei de seus habitantes, os monstros. Eles são grandes, quando têm raiva tornam-se assustadores, mas ao mesmo tempo são peludões e fofinhos.
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Cada monstro representa um aspecto de sua personalidade ainda não integrada, aspectos soltos, dissociados. KW (Lauren Ambrose), uma monstra que não tolera agressividade, tem como função a expressão deste lado tão sofrido, representado pela repressão de sua mãe. Outro monstro, Alexander (voz de Paul Dano), é observador e solitário, pouco notado pelos outros, assim como Max. Entretanto, foi com Carol (James Gandolfini) que Max se identificou mais, um monstro com muita raiva represada, impulsivo, inconsequente, sonhador e com certa dificuldade em adaptar-se ao seu grupo (como o vampiro), só que desta vez pelo “excesso de dentes”. Ambos são solitários e inadequados, a falta e o excesso. Qual a medida, afinal?
No “mundo real” de Max não foi construído um espaço onde pudesse se expressar sem retaliações. Com os monstros, Max sente-se onipotente, criador e fundamental, podendo experimentar-se, empregar sua energia, quebrar sem necessariamente destruir, morder sem precisar devorar. O que faz que em algum momento de sua vida, sinta-se criador, suprimindo a falta que sente deste espaço.
Quem sente falta, já teve e quer novamente. As crianças dão muitas dicas de suas necessidades e quando as coisas não vão bem, é preciso estar atento para compreendê-las.
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Todos têm uma bela adormecida que está à espera do príncipe que a despertará, assim como têm também uma bruxa que cria obstáculos. Um vampiro e um “vampirizado”. Um monstro feio, grande, assustador e uma criança assustada, pequena, impotente, de outro lado. Todos nos habitam e nos representam, os opostos nos constituem. É da falta de integração destes opostos que “surgem” tantas doenças (sofrimentos) psíquicas.
A depressão pode ser representada por um “recolhimento dos dentes”, pela sensação de que seu uso pode fazer um estrago irreparável, então há uma inibição inclusive das manifestações saudáveis. As psicoses nascem do abismo criado entre os opostos, a tensão entre os diversos aspectos de nossas personalidades. As neuroses, da negação de partes do eu que sente a necessidade de que tudo seja mantido sob absoluto controle e assim por diante.
O cristianismo e outras religiões exercem uma função curiosa, incentivam a repressão de aspectos “perigosos” para a sobrevivência social, como a inveja, a raiva, o ódio, a gula, etc., levando a pessoa a uma não integração, à negação destes aspectos; reza-se para que o “demônio” não se manifeste, para que o “encosto” deixe o corpo que “não lhe pertence”; somos Deus e o diabo, o espírito atacado e o próprio encosto. Nossa sociedade incentiva essa dicotomia.
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Os adultos com saúde emocional fazem uso deste espaço intermediário, de transição, proporcionado pelo ato de brincar por meio da criatividade e das expressões culturais. Um bom filme consegue expressar aquilo que não ousamos e ao vivenciá-lo, temos a oportunidade de nos reconhecer na dor do outro, o que causa um grande alívio. Uma boa música vai ao encontro da nossa “alma” e atribui melodia ao nosso eu, feito de sentimentos, sensações e ritmos; um jogo também, onde é possível exercitar a competitividade, a “voracidade”, sem colocar em risco as relações pessoais, afinal é “só” um jogo, e assim por diante. Mas, para que a brincadeira seja possível, temos de abrigar o sentimento de que somos capazes de criar e transformar o mundo sempre que for preciso.
Um banho pode se tornar uma brincadeira de aromas e texturas, a alimentação um exercício de cores e sabores. A vida pode ser apenas vivida, mas só faz sentido e é real quando criada e recriada.
“Essa é a dureza de Deus, os opostos, a dureza da própria vida”, Joseph Campbell

Guerra ao Terror

Guerra ao Terror abre com uma citação do livro War is a Force that Gives Us Meaning de Chris Hedges, ex-correspondente de guerra do jornal The New York Times, que diz numa tradução livre “O calor da batalha é um vício frequente e letal, pois a guerra é uma droga”.
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O filme ganhador de seis Oscar, entre eles o de melhor filme, conta a história de três soldados americanos especialistas no desarmamento de bombas plantadas por insurgentes em meio à guerra do Iraque. O protagonista, William James (Jeremy Renner), é enviado para substituir o ex-comandante da equipe de desarmamento, faltando apenas 38 dias para sua baixa. Ele é apaixonado por bombas e seus componentes ao ponto de guardá-los carinhosamente junto às fotos de sua família. Outro elemento que o impulsiona é a busca pela adrenalina diante da possibilidade de morte iminente. A morte e o horror de seu mundo interno devem ser tão grandes que a guerra nada mais é do que uma representação disso.
Em maior ou menor intensidade, essa busca pela adrenalina “mortal” pode manifestar-se de muitas maneiras, por exemplo: uma pessoa que sai com o próprio carro após consumir bebida alcoólica ou drogas; motoristas que abusam da velocidade; prática de sexo sem proteção, uso de drogas pesadas e assim por diante.
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O uso de drogas está ligado à busca de alívio. Uma pessoa que é tomada pela angústia, ansiedade, sensação de vazio, pode fazer uso de drogas buscando uma “folga” de si, como a busca desenfreada por adrenalina.
O furo desta proposta reside no fato de que este alimento é falso, oco e fornece apenas a sensação de completude momentânea. Porém, após o efeito, nada muda. Dá-lhe mais drogas para cobrir o buraco insuportável. Este vazio, entretanto, tende a ficar cada vez maior. A função dos medicamentos psiquiátricos também é parecida, pois eles agem como paliativos, daí a importância de serem combinados com um tratamento que tenha a proposta de trabalhar o que há além deste pedido de socorro.
Certa vez ouvi o relato de um garoto que estava privado de liberdade por ter cometido algumas infrações: “Senhora, o melhor momento do roubo de carros é quando há perseguição policial, a adrenalina é ainda maior”. Assim como no caso de James e nos exemplos citados anteriormente, não se trata da busca pela morte, mas pela sensação de sentir-se vivo.
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O que está por trás dessa busca? A depressão, a falta de crença na vida, nas pessoas, na própria capacidade transformadora. O mundo para algumas pessoas é sentido como hostil, devorador e lhes foi apresentado desta maneira. Faz-se necessária a busca por proteção contra essa intrusão, seja por meio da introspecção, do autismo (em todos os níveis), de rituais obsessivos, em que a pessoa transfere para os objetos a tentativa de organização do caos interno (também falsa) ou até uma completa cisão, como no caso da esquizofrenia.
Quando somos traumatizados, uma das defesas está no afastamento de situações similares. Por exemplo, após um acidente grave de moto, algumas pessoas podem não só criar aversão ao objeto relacionado como ao som e todo tipo de sensação que envolveu o momento de ruptura emocional.
Traumas mais enraizados, aqueles que ocorrem em idades precoces e pertencem à “fundação da personalidade”, podem se dar por uma ausência prolongada da mãe em relação ao seu bebê, ainda sem uma psique formada para tolerar ou compreender a ausência, ou quando este bebê ou criança é repetidamente invadido, agredido. Como proteção, esta pessoa passa a entender que tudo que vem dos outros é ruim e extremamente perigoso e esta sensação pode perdurar por toda a vida. Perde-se algo fundamental: a crença, a esperança e o gosto por viver.
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James certamente teria sofrido essa ruptura, por isso não consegue identificar o motivo de sua angústia. Houve uma cisão (uma separação). Para que sobrevivesse, em determinado momento de sua vida, criou uma fenda em seu “eu”, tornando as emoções relacionadas ao trauma inacessíveis. Ali reside a doença e sua possibilidade de cura. Sem condições para acessar este “compartimento”, vive tapando buracos inutilmente.
Sem acreditar no investimento em outro ser humano, nas relações e suas possibilidades de enriquecimento, James criou um mundo paralelo onde a guerra ocupa um espaço antes vazio. Pelo menos agora ele pode sentir que controla algo, embora tenha perdido o controle sobre o sentido de sua vida. Sabe como desarmar uma bomba, mas não consegue acessar a bomba que foi armada para si. Fica atento às variáveis, supera-se por meio de números e não mais pelo inominável que o assombra.
Talvez todo esse cenário seja menos aterrorizante do que uma vida na qual não via sentido. Dentro desta guerra existem indivíduos já mortos muito antes de seu início.
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“Todos os homens buscam a felicidade. E não há exceção. Independentemente dos diversos meios que empregam, o fim é o mesmo. O que leva um homem a lançar-se à guerra e outros a evitá-la é o mesmo desejo, embora revestido de visões diferentes. O desejo só dá o último passo com este fim. É isto que motiva as ações de todos os homens, mesmo dos que tiram a própria vida.”
Blaise Pascal

Sede de Sangue

O diretor sul-coreano Park Chan-Wook propõe uma reflexão sobre a maneira como cada ser humano satisfaz seus desejos e necessidades, utilizando como metáfora o vampirismo. Inspirado no romance Thérèse Raquin, de Émile Zola, o filme estreia no Brasil em 2 de abril.
 Psicologia nas Telas: Sede de Sangue
De um lado temos o personagem Sang-hyeon (Song Kang-ho), padre católico que sublima seus desejos carnais na forma de ações altruístas. No início do filme ele se candidata a testar uma vacina contra um vírus, consciente da possibilidade de morte. De fato, ele morre, mas revive logo após ter recebido uma transfusão de sangue de um vampiro.
A partir de então, o padre começa a perceber algumas mudanças vinculadas a este seu novo estado. Além de sentir um desejo carnal intenso e adquirir a capacidade de voar, passa a ter uma força sobre-humana. Está posto o dilema: como conciliar sua “sede de sangue” e de prazeres carnais com sua conduta ética e moralista? Ele passa, assim, a procurar meios alternativos de sobrevivência.
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00 Poster2 Psicologia nas Telas: Sede de Sangue
O tormento do padre havia apenas começado, pois ele se apaixona por uma mulher profundamente negligenciada pela vida. Trata-se de Tae-ju (Kim Ok-bin), uma órfã que foi tratada como escrava pela mãe adotiva e seu filho, a quem prestava serviços domésticos e sexuais. Desde pequena teve de suprimir seus desejos para sobreviver àquele ambiente. Ela representa a contrapartida do padre vampiro-moralista.
Durante sua relação com ele, acaba por descobrir seu segredo e pede para que a transforme em uma vampira. Trato feito. De um lado, o padre esperava viver esse grande amor sem fazer mal a ninguém, mas a sede da órfã por vida era tamanha que sua primeira reação foi obter prazer não só com os novos poderes, mas, também, com sua nova posição. Inverteu-se assim o papel. Agora era ela quem sugava com voracidade e prazer a vida dos outros, assim como fizeram com a sua.
Este movimento de sugar a vida do outro pode ser uma analogia à condição humana, pois, desde que nascemos nos alimentamos do outro para sobreviver. Primeiro, de uma maneira concreta, o feto alimenta-se dos nutrientes do corpo da mãe; quando bebê, de seu leite. Posteriormente, de maneira menos concreta, alimentamo-nos da atenção, dos cuidados e do prazer que o outro nos dá. Dependendo do nível de angústia, “carência”, usamos o outro (e somos usados) de forma mais ou menos vampiresca.
 Psicologia nas Telas: Sede de Sangue
A questão principal abordada pelos personagens diz respeito à maneira como negociamos nossos desejos e necessidades com o mundo e a ética social e pessoal. Podemos ter vontade de matar alguém, mas nem todos matam de fato, sublimam dando soco na almofada, gritando de ódio, etc. Para que haja esta sublimação, precisamos de boa dose de saúde e de uma capacidade de reflexão e elaboração. Porém, este atributo não é comum a todos nós, pois está diretamente vinculado à maneira como fomos cuidados e à profundidade de nossos “buracos”.
Se uma pessoa é alimentada com amor, ela se torna amor. Se tratada com agressões diárias, personificará a própria agressão, que se tornará sua única possibilidade de reação. Somos aquilo que podemos, a partir do tipo de “alimento” que recebemos. Se hoje somos capazes de refletir sobre nossas ações é porque tivemos condições para isso.
 Psicologia nas Telas: Sede de Sangue
Tae-ju não teve escolha, foi escolhida. Em posse do novo poder, tratou de saciar com voracidade o enorme vazio que ocupava seu ser. Agiu como um animal, uma fera. Mas antes ela foi tratada como tal, sua humanidade não teve espaço para florescer. Deste modo, podemos entender que ela foi vampirizada e, assim, tornou-se um vampiro.
Porém, a condição vampiresca não é necessariamente sinônimo de destruição, é uma condição. Somos humanos, mas não é o fato de nascer de um ser humano que nos torna humanos, o nascimento é só o início deste longo trajeto.
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Simplesmente Complicado

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Simplesmente Complicado (2009), trama da mesma diretora, roteirista e produtora de Do que as Mulheres Gostam (2000) e Alguém tem que Ceder (2003), Nancy Meyers, aborda questões relativas à meia-idade, envelhecimento e amadurecimento. Conflitos, ansiedades e necessidades da mulher de 50, 60 anos são relatados de forma profunda e bem-humorada.
Profundidade e bom humor são, certamente, uma consequência da maturidade. Jane Adler (Meryl Streep) é uma mulher madura, separada há dez anos e mãe de três filhos. Jake Adler (Alec Baldwin), ex-marido de Jane, casou-se com uma mulher jovem e bonita, porém encontram algumas dificuldades na relação devido à diferença de idade. Durante o evento de formatura do filho mais velho de Jane e Jake, acontece uma reviravolta em suas vidas.
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Embora idade não seja sinônimo de maturidade, nos filmes de Meyers as mulheres encontram-se na faixa de 50, 60 anos de idade, são bem-sucedidas em sua vida profissional e nos papéis sociais que desempenham com muita naturalidade e prazer. A vida afetiva, porém, é a área em que a diretora se concentra e oferece uma visão positiva sobre relacionamentos maduros.
00 its complicated poster Psicologia nas Telas: Simplesmente Complicado
Os sinais da maturidade são expressos pelas personagens na maneira com que lidam com a ansiedade, solidão, pela qualidade impressa em cada tarefa que realizam e tantas coisas mais que só obtemos com o passar do tempo e com a significação positiva de nossas experiências.
O acúmulo de vida e, portanto, de todo tipo de alegrias e sofrimentos pode trazer amargor, ressentimento e desilusão, originando defesas.
Uma das formas de defesa pode se manifestar por meio da depressão, afastamento do mundo, das relações afetivas, da criação de rituais obsessivos como forma de adquirir a sensação de que controlam algo em suas vidas.
De certa maneira, essa defesa é eficiente no que diz respeito a evitar desilusões nas relações. Porém, a vida permanece em “ponto morto”, já que só somos a partir do outro e só podemos viver de modo autêntico nas relações.
Com o acúmulo de experiências positivas importantes, inicia-se um processo de discriminação do que é saudável ou não, certa “intuição” a respeito das situações, o famoso “já vi esse filme antes…”, e realmente viu, abrindo agora a possibilidade de dar um desfecho diferente. O caminho para o estabelecimento de relações mais maduras, sinceras e verdadeiras passa, necessariamente, por experiências dolorosas que têm de ser significadas para não nos aprisionar.
As mulheres de Meyers cozinham muito bem. Transformam alimentos crus em verdadeira arte culinária. Além disso, amam flores e sabem apreciá-las em suas cozinhas, misturando sua cor e aroma com a cor e o sabor dos alimentos criativamente. Lidam com as mais diversas situações como um maestro que rege uma orquestra. Já viram um pouco de tudo, têm familiaridade com suas capacidades e sentimentos.
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Em determinado momento do filme, após terem fumado maconha e relembrado os tempos da juventude na sua pâtisserie, Jane diz a Adam Schaffer (Steve Martin): “pode escolher qualquer coisa pra comer que eu faço. O que está e o que não está no cardápio”.
Tendo escolhido, ela se põe a fazer o croissant. Assim como está habilitada para preparar a massa, o recheio e o café de maneira rápida e divertida, tem também a habilidade de utilizar suas experiências de vida como ingredientes para transformação de um momento comum em algo mágico, criativo e delicioso.
Nos dias de hoje, o vazio produzido pelo nosso tempo está tão profundo quanto a tentativa frenética de preenchê-lo. Em um mundo onde a rapidez e o supérfluo imperam, estes filmes nos lembram da importância de pararmos, refletirmos sobre nosso posicionamento diante deste momento histórico e cultural bem como as possibilidades de viver as etapas de nossas vidas de forma criativa, prazerosa e única, saboreando, enfeitando, fazendo pelas mãos criativas da maturidade uma possibilidade de recomeço eterno. Enquanto dure

Bastardos Inglórius

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Quentin Tarantino desenvolve seu sexto filme tendo como cenário a II Guerra Mundial durante a ocupação nazista na França.
O coronel Hans Landa (interpretado por Christoph Waltz), é o “Caçador de Judeus”, um dos principais responsáveis pela identificação e extermínio de judeus fugitivos.
Tenente Aldo Raine, ou “Aldo, O Apache” (interpretado por Brad Pitt) lidera um grupo de soldados que cuidam de aterrorizar os nazistas, são os bastardos, do título.
Shosanna Dreyfus (interpretada por Mélanie Laurent) é uma judia que conseguiu disfarçar sua identidade como órfã, herdeira de um cinema onde trabalha.
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Uma das principais questões desse filme, dentro da minha interpretação, gira em torno da dinâmica de personalidade que envolve os personagens principais. Embora de lados aparentemente opostos, são impulsionados pelas mesmas características: comprometimento na capacidade de envolvimento, dificuldade na internalização de normas e regras sociais, ausência do sentimento de culpa e remorso, configurando uma personalidade extremamente narcisista. Este conjunto de sintomas define uma personalidade cindida que atua dentro da esfera da psicopatia.
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O coronel Landa é um nazista bastante obsessivo pela aparência, limpeza, postura. Mostra-se muito detalhista e perspicaz. Alimenta um prazer imenso por situações onde sente que está no controle, saboreando cada momento que pode manipular com facilidade. Tortura física ou psicologicamente uma pessoa com a mesma expressão, fumando um cachimbo enquanto ouve com orgulho o som da própria voz, define a quantidade e forma do sofrimento que irá infringir e sente o prazer de ser “Deus”. Tanta limpeza pode ser medo da própria sujeira. Tanta organização, uma resposta ao medo que sente de sua personalidade cindida, inconsistente e caótica. Tanto sadismo, prazer pelo poder e controle podem reflectir sua baixa autoestima, sua pequenez, sua impotência.
 Psicologia nas Telas: Bastardos Inglórios
Shosanna sofreu o trauma de presenciar o extermínio de sua família pelas mãos nazistas do coronel Landa. A impotência diante deste horror e a impossibilidade de reação fizeram dela uma mulher absolutamente determinada e extremada, capaz de matar ou morrer para se sentir potente novamente. Parte de sua saúde mental morreu junto à família. Ela sentia necessidade de remontar a mesma cena como algo vital, mas sob outro ângulo, ela como detentora do controle absoluto e os nazistas impotentes assim como ela antes se sentiu.
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Aldo Raine, o líder dos bastardos, vangloria-se de sua invulnerabilidade, frieza, indiferença, capacidade de atos monstruosos. Tudo isso, claro, saboreando um sanduíche ou cheirando tabaco. De sua maneira ele é outro pseudo “Deus”, define de acordo com seus parâmetros quem vive ou morre e em quais circunstâncias. Ele justifica: “seremos cruéis com os nazistas, assim eles saberão quem somos”.
Todos estes personagens estão presos a sentimentos terríveis de impotência que os impelem a renovar diariamete a sensação concreta de poder. Como pensam ser essa a fonte de sua cura, a vingança, entregam-se a um ciclo vicioso onde não importa a farda que estão usando, mas a motivação sádica por trás do ato.
Existem policiais e soldados que tem como função a proteção da sociedade, mas são impulsionados pelas mesmas motivações de bandidos e terroristas. Por acaso, ou devido a pequenas diferenças, estão do “outro lado” aparentemente. Quem está disposto a se colocar na “linha de tiro”, a correr o risco de matar e morrer pode não ter muito a perder. Um ser humano que sofre um trauma, uma ruptura, dependendo da fase de vida e da intensidade permanece lutando com as armas que tem para ser alguém, alguém real, pois ainda não teve condições de integrar os aspectos ambíguos de sua personalidade. Quem atua somente em um extremo não está integrado.
O diretor e roteirista Quentin Tarantino é o “Deus” de sua criação, fato que lhe concede a permissão de finalizar a II Guerra como bem entender. Embora impotente diante do fato histórico, mostra-se onipotente em sua arte, uma bela maneira de lidar com emoções conflituosas. Tarantino pôde transformar a violência exacerbada que o assola em forma de cultura, dividindo com as pessoas aspectos conflituosos de sua própria personalidade. Expressando sua agressividade por meio da escrita, dirigindo seus filmes, trabalhando seus personagens, faz um belo exercício de integração de seus personagens internos dissociados. Desta maneira sua agressividade passa por um processo sublimatório, e manifesta-se nas telas. Estes “personagens” precisam ter voz no cinema ou na vida. É melhor que seja no cinema.
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por Fernanda Davidoff